Em meio à queda de braço para definir se a discussão sobre o seguro da hidrelétrica de Jirau será no Brasil ou na Inglaterra, o consórcio responsável pela obra diz concordar em discutir o ressarcimento dos danos à construção por meio da arbitragem. Para isso, porém, são colocadas as seguintes condições: a câmara arbitral deve estar em solo brasileiro e as seguradoras devem assumir a cobertura dos danos causados à construção por trabalhadores em março deste ano, limitando-se a discutir o valor a ser pago.
Com isso, a Energia Sustentável S.A. (consórcio responsável pela obra, formado por GDF Suez, Eletrosul, Chesf e Camargo Corrêa) abriria mão de contestar na Justiça a validade da cláusula arbitral na apólice do seguro, desde que as seguradoras, cuja líder é a SulAmérica, desistam de discutir, em Londres, se o seguro é devido ou não. Enquanto as construtoras conseguiram liminar da Justiça paulista reconhecendo o foro brasileiro, companhias de seguro têm como escudo uma liminar da Justiça inglesa, afirmando que a disputa deve ser travada em solo britânico. As duas justiças proibiram que o caso tivesse curso fora de suas jurisdições e ambas foram desobedecidas.
A batalha tem como origem os danos causados por trabalhadores na obra da hidrelétrica em março deste ano, que, segundo relatório da Polícia de Rondônia, tiveram origem criminosa e não trabalhista. O prejuízo tem valor estimado entre R$ 400 mil e R$ 1,5 bilhão.
Ao serem cobradas, as seguradoras reivindicaram a existência de cláusula arbitral na apólice do seguro, que definia como foro de resolução de conflitos a câmara arbitral britânica Arias, especializada na área securitária. As construtoras contestam a validade da cláusula — que dizem ser uma imposição unilateral —, tendo em vista que ela não consta no contrato de seguro, que já estava em vigência quando a apólice foi emitida e prevê o Judiciário brasileiro como foro.
A revista Consultor Jurídico apurou que a manobra de levar a discussão para a Inglaterra foi uma exigência das resseguradoras internacionais às seguradoras, para que seja possível discutir se o incidente deve ser coberto pelo seguro ou não. No Brasil, com o laudo da Polícia confirmando a origem criminosa dos estragos, dificilmente a cobertura será dispensada. Se a polícia chegasse à conclusão de que os estragos foram causados por reinvindicações trabalhistas, a discussão sobre o pagamento seria mais complicada — uma vez que o segurado não pode dar causa ao sinistro.
Para o presidente do Comitê Íbero-Latinoamericano da Associação Internacional de Direito do Seguro (Aida), Sergio Ruy Barroso de Mello, a exportação da disputa serviria apenas para desconsiderar as leis brasileiras. "Quando você leva ao juízo inglês, ele não vai examinar com base no juízo brasileiro. Com certeza, não está preocupado com regras formais da nossa lei. Ele estará mais preocupado em resolver por arbitragem o que é levado."
Nas palavras de Paulo Piza, um dos advogados da Energia Sustentável, se as seguradoras estão cobrando a disputa na Inglaterra por causa das resseguradoras, "estão exigindo da pessoa errada", pois o conflito entre seguradoras e resseguradoras não deve envolver o segurado.
O advogado afirma que a defesa das construtoras está se preparando para pedir, depois do recesso forense, fixação de multa por dia de descumprimento da decisão judicial que determina a disputa na jurisdição dos tribunais do Brasil, expedida em liminar no dia 15 de dezembro pelo TJ paulista. O descumprimento da ordem já configura crime, com pena prevista de 15 dias a seis meses de detenção e multa.
Olho por olho, a liminar inglesa obtida pelas seguradoras no dia 13 de dezembro também prevê pena para os diretores das companhias brasileiras que deram seguimento à ação em tribunal brasileiro. Segundo a ordem do tribunal do Comércio britânico, os responsáveis pelas construtoras podem ser presos, multados ou terem seus bens apreendidos no exterior.
Para o vice-presidente de assuntos legislativos da Associação de Magistrados do Brasil, desembargador Diógenes Ribeiro, o conflito só terá solução quando os judiciários dos dois países decidirem o que prevalece: o contrato do seguro ou a apólice. Como um tem a cláusula de arbitragem e o outro não, se os dois tribunais decidirem da mesma forma, esta será seguida. Se decidirem de forma diferente, provavelmente prevalecerá a decisão brasileira, uma vez que decisões estrangeiras precisam ser homologadas pelo Superior Tribunal de Justiça para ter validade no país.
Segundo o advogado Paulo Piza, "nunca vai ser possível que homologuem no Brasil" uma decisão contrária ao que decide a Justiça Brasileira e, se as seguradoras vencerem a peleja em solo britânico "vai ser uma vitória pífia".
Contatados pela ConJur, representantes legais das seguradoras não retornaram as ligações.
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