O custo de lidar com questões na justiça relacionadas a queixas de consumidores de produtos e serviços, para as empresas, é mais barato do que garantir a qualidade na prestação dos mesmos, como exige a legislação. A constatação é da professora e coordenadora do Núcleo de Direito do Consumidor da Universidade Federal Fluminense, Fabiana Ramos, que explica que a lei exige um padrão de qualidade e eficiência bastante alto, mas muito custoso para as empresas.
"Os problemas acabam se repetindo um pouco, ano a ano. A gente gostaria de ter uma outra percepção nesses segmentos", comentou Sonia Amaro. Em produtos, ela reforça, um dos problemas mais registrados é o atraso na entrega, quando o fornecedor promete entregar o produto em uma data e não cumpre o estipulado. Outro problema com bastante incidência neste ano foi o vício no produto, ou famoso defeito, quando o mesmo não funciona da forma que deveria.
Há casos, exemplifica a porta-voz da Proteste, de pessoas que resolvem antecipar o pagamento de parcelas do financiamento, porque receberam uma renda extra ou porque conseguiram economizar, e, como retorno, as instituições financeiras protelam, não registram ou dificultam o desconto de juros de forma proporcional, como consta no Código de Defesa do Consumidor. "Isso é um absurdo, é um descumprimento seríssimo da legislação", alerta.
A professora Fabiana comenta que hoje são muitas as facilidades de acesso ao crédito, mas que as pessoas não são educadas para receber o serviço. Para ela, trata-se de uma situação mundial.
Em terceiro lugar no ranking de reclamações da Proteste aparece o setor de serviços de telecomunicações. Para Sonia, este é o que comete as infrações mais graves, "sem dúvida alguma", e que ainda precisa melhorar muito. "Uma coisa que a gente está sempre discutindo, fazendo campanhas e mobilizando, é a questão das telecomunicações. Ainda é preciso que haja mais qualidade nesse serviço e efetiva fiscalização e penalização das operadoras que não cumprem as normas de proteção ao consumidor, descumprem as próprias normas de agências reguladoras", atesta.
Sonia fala de diversas reclamações junto a órgãos como a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), que, inclusive, em meados de setembro, recebeu um protesto da entidade junto a União Geral dos Trabalhadores (UGT), em São Paulo, por maior qualidade na prestação de serviços pelas empresas do setor, além de mais eficiência do órgão.
A Anatel, por meio de sua assessoria de imprensa, informou ao JB que tem atuado constantemente para "promover o desenvolvimento das telecomunicações brasileiras". No campo da regulação, defende a adoção de iniciativas para reduzir preços e tarifas, assegurar direitos aos usuários e mecanismos para o exercício desses direitos. Em relação à fiscalização, afirma que está em campo para verificar se os serviços são prestados em conformidade com a regulamentação.
"Em muitos casos, a agência aplica sanções às operadoras que desrespeitam os direitos dos consumidores. Os usuários dos serviços, aliás, tem à sua disposição o Call Center da Anatel, que resolve praticamente todas as reclamações que chegam ao conhecimento da Agência. A Anatel está à disposição das autoridades competentes para fornecer todas as informações que estas considerarem necessárias", promete a Anatel em nota.
Sonia lembra que recentemente, em meados de outubro, o Brasil recebeu a notícia de que é dono da tarifa de celular mais cara do mundo. Enquanto o minuto de ligação no Brasil custa em média US$ 0,71, em Hong Kong sai por US$ 0,01, de acordo com Pesquisa da União Internacional de Telecomunicações (UIT). Apesar de ter sido contestada por representantes do setor, a informação não surpreendeu. "É complicado. Por um lado, nós pagamos por um dos serviços mais caros do mundo e, por outro, recebemos um serviço ineficiente."
O JB solicitou também um ranking dos setores mais reclamados dentro do campo de Telecomunicações. Na liderança das queixas de consumidores, aparece a telefonia móvel, que, quando se espalhou pelo país, tomou logo o posto de maior gerador de problemas que antes cabia à telefonia fixa. Os principais problemas, comenta Sonia, são relacionados a falta de qualidade no serviço, que acontece com "todas as operadoras". Trata-se de uma "falta de qualidade generalizada".
"Todos os consumidores da telefonia móvel sabem o quanto ela deixa a desejar. São cobranças indevidas, dificuldades para cancelar serviços. Isso é lamentável. É muito fácil contratar, mas, no momento que o consumidor quer rescindir o contrato, tem uma dificuldade enorme. É um descompasso enorme", comentou.
A TV por assinatura, que responde por 20% das reclamações em Telecom, provoca muitas queixas por cobrança indevida e/ou alteração bilateral do contrato - quando o consumidor contrata um determinado pacote devido aos canais que ele oferece e, de repente, a prestadora do serviço decide alterar os canais oferecidos. Outro problema, recorrente, é a dificuldade de cancelar o serviço.
As empresas de internet, em terceiro lugar com 19% das queixas, geram dores de cabeça por falta de qualidade no serviço, venda de velocidade que não oferecem na prática, e, em alguns casos, a total impossibilidade de oferecer o serviço. "O consumidor fica na expectativa de ter o serviço, paga uma determinada quantia, mas um tempo depois recebe a notícia de que não 'foi possível'. Isso é relativamente frequente em determinadas regiões, inclusive em grandes cidades."
De acordo com Sonia, há casos da empresa de serviço de internet que colocam representantes em uma determinada rua para oferecer o serviço aos moradores, vender os pacotes, e que, depois não conseguem cumprir o que prometeram, por "falta de sinal".
No grupo Combos, que responde por 16,15% das queixas, pode-se incluir todas as queixas anteriores - já que diz respeito a pacote de oferta, principalmente, de diferentes serviços de telecomunicações.
As Compras Online, por sua vez, que aparecem no ranking geral logo após o setor de telecomunicações, 11,39%, o consumidor, infelizmente, aborda Sônia, acaba sendo vítima de verdadeiros golpes que são aplicados por empresas que entram no mercado efetivamente para lesar o consumidor; recebem o dinheiro e não entregam o produto, "e isso tem acontecendo muito." Na prática acabam, quando processadas, essas empresas acabam não tendo nenhum patrimônio para indenizar os consumidor.
A professora de Direito da UFF, Fabiana Ramos, explica que houve "uma grande melhora" nos últimos anos em termos de legislação em defesa do consumidor. A questão é que a prática não acompanha essa proteção que a lei oferece. "A lei exige um padrão de qualidade e eficiência bastante alto, mas esse padrão é muito custoso para as empreesas, a questão econômica fala muito mais alto. Tornar um serviço melhor custa mais caro do que responder a coisas judiciais."
O ideal, aponta, seria que as próprias agências reguladoras fiscalizassem a qualidade dos serviços e produtos, mas que elas fazem muito pouco. A professora comemora, contudo, a atual revisão do código do consumidor, que incluiu projetos importantes relacionados a superendividamento, comércio eletrônico e ações coletivas.
"O comércio eletrônico é uma situação muito nova, são personagens novos, e por isso essa atualização. Só o fato de já se estar discutindo, revendo o código,é bom. Eu sou otimista", comentou.
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