Mais direitos, mas também deveres, quando o assunto é cuidado com o meio ambiente. Esta é uma das novidades que podem vir a ser incluídas na atualização do Código de Defesa do Consumidor (CDC). A inclusão de artigos que tratam do consumo sustentável, aliás, é um dos poucos pontos pacificados, entre especialistas de direito do consumidor, sobre a alteração da lei. A proposta sobre o tema prevê aumento de deveres do fabricante - com a extensão de garantia e a obrigação de informar sobre o impacto do produto no meio ambiente -, mas também põe nas mãos do consumidor o dever de observar esses dados, pautar suas escolhas e fazer sua parte na destinação correta no descarte.
O projeto que altera o CDC foi apresentado no dia 17 de outubro à Comissão Temporária de Modernização do Código e será votado esta semana pelo colegiado, para depois seguir ao plenário do Senado. Além de determinar que as empresas deem informações claras sobre a origem dos produtos, o texto prevê a inclusão de informações sobre o impacto de cada item ou serviço sobre o meio ambiente em todo o seu ciclo de vida, ou seja, da produção ao descarte. Tal medida combate o chamado greenwashing, quando o fabricante “veste” o produto com uma roupagem verde, sem que ele traga de fato menor impacto ou benefício ao meio ambiente.
"Vivemos uma nova fase do direito do consumidor onde se reconhece que para além dos direitos, ele tem deveres. E se ele for bem informado, pode até decidir não consumir tal produto, sabendo o trabalho que terá em descartá-lo, por exemplo", avalia Patrícia Iglecias, professora associada da Faculdade de Direito da USP e consultora ambiental da Viseu Advogados.
Expectativa de impacto na qualidade
O objetivo dessas mudanças na lei vai além da regulação das relações de consumo. O senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES), relator do projeto, explica que essas novidades visam ajudar na redução do consumo de recursos naturais, da produção de resíduos e das emissões poluentes. Também está em jogo o caráter educacional e de transformar a cultura de consumo.
"Estou apostando que o processo educativo e de prevenção aconteça. O descuido existe não só por parte que quem fabrica, mas também de quem consome. As pessoas vão ter de rever os princípios de consumo. Hoje, olhamos as calorias, a validade, se tem ou não glúten em um alimento. Agora estamos estimulando-as a entender o tamanho do impacto ambiental que suas decisões de compra têm", afirmou o senador.
Segundo o projeto, a oferta e apresentação de produtos ou serviços deverão trazer informações ambientais exatas e precisas, que sejam pertinentes ao consumidor e relacionadas à produção e à comercialização. Para especialistas, o processo de educação e mudança da cultura sobre o consumo é difícil, mas pode vir com o tempo, principalmente se tiver a ajuda da sociedade civil, do governo e das próprias empresas em divulgar as novidades, caso sejam aprovadas. A expectativa é grande para tal.
O novo texto do CDC dobra o prazo de reclamação e garantia dos produtos, uma medida que também tem em seu bojo a proteção ao meio ambiente, com redução dos descartes. O texto estipula 180 dias para reclamação de problemas em produtos duráveis, contra os 90 dias previstos hoje, e dobra também de 30 para 60 dias o prazo de reclamação de itens não duráveis.
A garantia legal também foi estendida de um para dois anos. O objetivo, segundo Ferraço, é fomentar a produção de bens com vida útil prolongada e reduzir o lixo eletrônico.
Marcelo Sodré, professor de Direito do Consumidor e de Direito Ambiental da PUC-SP e um dos idealizadores do projeto, avalia que a redução da pegada ambiental será apenas uma consequência: "Acho importante como responsabilidade civil. A questão ambiental é uma consequência. Hoje se compra produtos que parecem que são feitos para parar de funcionar assim que acaba a data de validade. É uma proteção muito grande ao consumidor"
Essa mudança, caso aprovada, avalia Carlos Thadeu Oliveira, gerente técnico do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), obrigará os fabricantes a investir mais atenção na qualidade do produto, o que deve pesar no bolso das empresas. Ele teme que isso leve o projeto a enfrentar resistências quando o texto chegar a votação na Câmara dos Deputados, etapa seguinte a aprovação no Senado.
Sanção pode ser interessante
Oliveira destaca que dar mais informações sobre o produto ajuda na mudança de cultura, mas defende que será preciso estimular o cumprimento da lei, com campanhas: "Há um longo trabalho pela frente. São 23 anos de CDC e há muita coisa que ainda não é conhecida e muita gente não segue".
Patrícia compara as mudanças propostas com as que foram introduzidas pela lei de resíduos, em 2012, que prevê que o cidadão que não separar o lixo reciclável e não o destinar corretamente, pode ser multado. Para a professora, ao passo que o fabricante será cobrado para explicitar até lados negativos de seu produto, caso sejam incluídos no CDC os novos dispositivos, o consumidor será incitado a agir conforme essas informações.
"O brasileiro tem dificuldade em mudanças e em imaginar que individualmente alguém faça diferença. A imposição de uma sanção é uma coisa interessante para mudar a cultura e funciona, como na lei que obriga o uso do cinto de segurança. Acho positivo ter um sistema de punição."
Fonte: O Globo - Online
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